18a Edição - IRA

Na força do ódio

outubro 2024

Na força do ódio

Pra quem acredita que sentir muita raiva é um fenômeno exclusivo da internet, é porque nunca dirigiu em São Paulo. Dentro daquele labirinto caótico, vemos o verdadeiro pecado da Ira em plena força e atividade, pulsando nas rodas contra o asfalto. Ali, a Ira pode levar à morte, se não, a um osso quebrado, um roxo no olho ou até mesmo uma lembrança amarga de um xingamento pesado durante dias. O trânsito de SP ilustra bem esse pecado cheio de força e potencial coletivo destrutivo. Há quem defenda sua pulsão e se apoie nessa energia para realizar o que precisa ser feito, mas essa saída é mesmo eficaz?

Realmente, dentre os pecados, a Ira parece ser o que mais impulsiona as pessoas. “Na força do ódio” se tornou um bordão popular quando nos referimos ao esforço realizado em tarefas difíceis que precisamos cumprir, e não é à toa que a cultura transparece hábitos coletivos comuns por meio de expressões lacônicas. Essa energia que aparece quando parecemos derrotados se torna muito conveniente em uma sociedade apática e cansada. Assim, se já não há ânimo para viver, atividades e humores passivos se tornam rotineiros, afinal tudo é copioso e desinteressante em uma timeline infinita. Nessa lógica derrotista, quem cria conteúdo já entendeu que apenas uma boa dose de negatividade, indignação e conflito é capaz de gerar uma reação. Headlines absurdas na caça pelos cliques em jornais tradicionais anteviram essa façanha, depois, como tudo no capitalismo contemporâneo, bastou ser multiplicado, copiado por qualquer um na internet. Com seu lugar ao sol, o ódio tem sido o sentimento que mais engaja conteúdos nas redes. A excitação provocada por esse afeto produz o pecado da Ira num movimento bastante simples e repetitivo: as pessoas veem um conteúdo odioso chamativo e são afetadas pela indignação que logo se transforma em raiva e, num estalar de dedos, Ira, na maneira descontrolada que reagem na internet, com seus julgamentos desmedidos, protegidos pelo anonimato e pela distância. Nesse púlpito não há ponderação, apenas sentenças. E, nesse circuito irascível, basta reagir de imediato, sem dar uma pausa sequer para a reflexão e reproduzir a violência novamente.

Outra consequência dessa dinâmica se encontra na preferência do conteúdo à informação, pois se torna necessário que qualquer mensagem seja elevada à potência negativa para que ganhe a devida atenção. Nosso olhar foi treinado para o que há de pior, e o que apetece é um conteúdo autorreferente, direto e sem camadas. Quanto mais simples e revoltante, melhor a penetração cognitiva. É bater o olho e sentir com o estômago - cheio de azia e úlceras. De fato, esse comportamento viciante faz pensar se o problema é o mundo ao nosso redor ou nós mesmos em relação a ele. Se apenas considerarmos que as outras pessoas são odiosas, não nos colocaremos na mesma posição - pois somos boas pessoas, somos do bem. Ou seja, essa lógica parece contribuir para que julguemos e nos coloquemos acima, tornando mais fácil odiar o outro do que olhar para si. Inseridos de mãos atadas (ao teclado) nessa prática compulsiva, após a descarga elétrica impiedosa e terapêutica, podemos voltar para o nosso corpo exausto de humor impassível.

Outubro

Neste mês de horrores, seja na fantasia ou na política, pedimos para vocês descontarem a raiva, o ódio e a indignação no pecado da Ira. “O tal retorno” nos convida para uma reflexão indignada e necessária, mas em um nível mais profundo, é uma espécie de raiva pela dicotomia entre fé x ceticismo, impasse que ilustra muito bem o estado “espiritual” das gerações modernas ocidentais; O poema “Origami” evoca a arte precisa e delicada para a metáfora da raiva implicada no texto de maneira sofisticada e sutil; “Desproporção” trabalha a Ira por meio de um eu-lírico que reclama sem perder o controle diante de um Deus aparentemente injusto, de mão pesada e “Caspita” transparece em caminho de frases sinuosos o exercício de colocar em palavras os nossos sentimentos; processo vital para quem escreve.

Judys, artista visual e fotógrafa, assina a ilustra de outubro que exprime com um vermelho marcante toda a fúria do nosso gato Irado. Conheça seu trabalho: @judysdn e @ju_dysart.

Textos nesta edição

Fala memo!

Eai, td certo? A Nossa Língua quer trocar ideia, mas pra esse papo acontecer cê precisa chegar junto também. Se a revista será feita das inúmeras vozes (dissonantes) da nossa querida Letras, sua presença é vital!

Então, pensa com carinho! Manda no nosso forms aquela rima guardada na gaveta, aquele texto top que cê quer ver o pessoal discutindo, uma análise de um filme mucho loco, um poema esquecido nas notas do cel… Bota pra circular as ideias! Não é tão difícil assim, vai.

Vem que a gente tá te esperando, beletrista!

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Equipe editorial

Alyson Freitas - Revisão textual
Cibele M Brotto - Editoração e revisão literária

Colaboração:
Attílio Braghetto
Guilherme Faber
Livia Bernardes