19a Edição - INVEJA

Inveja branca é uma ova

novembro 2024

Inveja branca é uma ova

Poucas coisas assustam tanto quanto verem positividade em pecar. Para além do sentido religioso de uma transgressão à lei divina por puro moralismo, o pecado adverte para um vício, um traço de personalidade repetitivo e incontrolável, capaz de subjugar a alma de quem se apossa. Tanto faz se o pecado é inato ou produto da cultura, suas consequências para quem tem sua marca ou às pessoas ao seu redor são nefastas. Há quem diga que possamos tirar proveito da Inveja, pois desejar o que as outras pessoas são ou possuem nos impulsionaria de uma forma positiva - mesma lógica com o uso da Ira. Mas estamos falando sobre pecados e estes são sempre desmedidos, sendo assim, ao não haver controle perante o seu domínio, não existe “bom uso” de tal energia, não é o tipo de coisa que acontece para o nosso bem.

A Inveja é um sentimento que se desdobra de formas ruins em diversos níveis, mesmo sem percebermos seu efeito de imediato. Normalmente começa chamando a nossa atenção para algo que nos surpreende e logo fazemos um juízo negativo em relação à coisa porque não aceitamos bem o fato de alguém ter o que queremos ou ser o que não somos. É necessário desambiguar essa impressão de que a Inveja pode nos ajudar, a fim de enxergarmos o que realmente nos impulsiona a progredir. Nos depararmos com alguma coisa que encanta os nossos olhos talvez seja uma das melhores sensações possíveis nesse mundo, porque de alguma forma essa imagem interage com pedaços íntimos, por vezes desconhecidos, mas sempre significativos para a nossa alma. Ninguém deseja algo que não se identifica um pouco. Uma plataforma que opera bem nesse mecanismo é o Instagram com as suas imagens fascinantes e inatingíveis, engajando a inveja em níveis de proximidade. Na lupa o algoritmo compõe um mosaico estonteante para todos os gostos, destacando apenas o perfeccionismo dos corpos “belos” em caretas e poses impossíveis e a compulsão do consumível como as extravagâncias de quem vai a um restaurante e pede todo o menu pra comer um pedaço de cada coisa ou os luxos de casas dos sonhos cheias de utensílios inúteis. Se há inúmeras visualizações desse tipo de conteúdo, há algo de importante que essa ânsia nos denuncia. Por outro lado, o rolar da tela monta uma sucessão de imagens desejosas de pessoas próximas, noticiando cada pequena conquista que remete àquelas que a lupa valoriza: um corpo de academia, um carro novo, um noivado, uma viagem… Nesse truque de ilusionismo barato, caímos na armadilha de que existem pessoas em momentos melhores, abrindo as portas do nosso ódio por meio de comentários maldosos, tão cheios de inveja. O fascínio em relação à coisa turva o nosso pensamento e inflama o nosso ego, nesses momentos é perturbador admitir o que nos falta, ainda mais nesse mundo da performance em que nunca somos o suficiente.

No entanto, a visão fica menos embaçada quando percebemos que a falta é característica de todas as pessoas, pois somos uma soma de valores dessemelhantes; somos seres únicos. Isso significa estar em um corpo, alma e consciência individuais e esse é um motivo para se ter orgulho. Depois, é preciso frear um pouco a nossa vaidade e admitir que a inveja, tragicamente humana, é uma admiração malfalseada. Assumir esse querer pode ser libertador por utilizarmos o sentimento de admiração como combustível para mudar algo em nossa vida; dói menos e só assim tornamos esse incômodo em algo positivo.

Mas esse conflito é particular e intransferível, ninguém tem culpa do nosso desejo. Arrefecer a Inveja poupa as pessoas que nada têm a ver com a nossa maldade pessoal de fábrica. É por isso que não existe inveja boa ou inveja “branca”. Este é apenas um termo racista e capcioso, seu intuito é eufemizar um tipo de toxicidade que não pode ser do bem em nenhum contexto.

Novembro

Neste mês de novembro, os textos desta edição abordam a Inveja em suas terríveis manifestações, sejam elas declaradas ou não. No conto “Copacabana”, dentre os diversos sentidos que o texto suscita, o lado passional do amante inveja a frieza e indiferença da amada; “merecimento”, destila inveja da possibilidade de ser amado/a/e num jogo interessante de palavras; “Cartas para Machado” mostra a saída positiva da inveja, numa homenagem cheia de admiração a um de nossos autores brasileiros mais brilhantes de todos os tempos; Contamos ainda com o poema “Pleura do momento presente” e o ensaio “A inveja em Casas Vazias: as desilusões da maternidade”, trazendo uma reflexão perspicaz sobre a maternidade e o seu lado excomungado que envolve sentimentos de frustração e desapontamento, mostrando de forma límpida como a inveja opera permeando ideais que no fundo podem ser apenas imagens vazias de sentido.

Kaio Moreira, ilustrador e diretor de arte, assina a ilustra da edição de novembro. Com traços intensos, Kaio destaca o aborrecimento do nosso gato invejoso. Confira seu trabalho em: @okaiomoreira.

Textos nesta edição

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Colaboração:
Attílio Braghetto
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