O canto da sereia

POR

Artemísia Sales

No oceano profundo dos seus olhos,
Vejo o mar que não enxerguei ao meu redor.
Seu jeito demorado, decidido,
Me fez querer salvar sua vida
Ao invés de destruí-la.

Neste cemitério de abismos,
O homem de Apolo desvenda meus olhos
E me sinto impelida a buscar a superfície
Em seu rosto tranquilo.

Não se afogue querido,
No anseio da alma,
No medo das paixões.
Eu, criatura sombria
Enlouquecida pela lira do deus solar,
Observo seu corpo de cores quentes
Se projetar belo sobre as ondas.

Será que busca abraçar meu corpo
Inclinado nos rochedos obscuros?
Não vê que sou apenas pouco mulher
E bastante horrenda?
Mas o homem que toca as chamas do sol
Não teme o frio das águas escuras,
Envoltas em meu cabelo ondulante,
E vê sua sereia com uma magia encantadora.

Serpenteio meus braços em sua direção,
Guiada por teu olhar celestial.
Sabe que no seu rosto encontrei o calor
Que precisava para despertar meu feitiço.

Canto a minha canção a ti,
Mas não me escuta em seu delírio divino
- Apenas ouve os sussurros distantes.

Então venha e me encare uma vez mais,
Meu deus inebriante,
E veja a sereia que faz da ilusão,
O desejo.
E anseie por mim, me tome para si
Do mesmo modo que bebe o vinho,
E me toque,
Do modo que se tocam suas antigas canções.

Pegue meu coração e o queime
Em suas chamas de sol,
Seja minha âncora nesse mar tortuoso,
Ame a sereia que fantasia
Seu ritmo indecifrável
E ame o fato de nunca poder tocá-la.

Pois ela já não existe,
A não ser nesta tragédia
Que narra a história da memória
Em sua melodia jamais esquecida,
Dos tempos míticos dos deuses e criaturas
Enlouquecidos pelos amores
Versados no canto da musa.