20a Edição - MORALISMO

Ter razão no on e transgredir no off

dezembro 2024

Ter razão no on e transgredir no off

Em nosso pequeno repertório, há três diferentes significados para a palavra Moralismo: o primeiro é aquele na filosofia, em que se estuda a natureza humana; o segundo é aquele que tem uma visão absoluta do que é certo e errado, sem considerar as diferenças, erigindo um código social de conduta, de “bons costumes”, e o terceiro é uma mistura do segundo com a hipocrisia, em que socialmente defendemos essas regras, mas na vida privada as descumprimos. Falaremos sobre o tipo desta última, mais interessante das três..

Todo mundo quer ser bom, sobre isso não há dúvidas. Absolutamente ninguém quer ser vilão, feio ou fora do que as pessoas consideram positivamente, mesmo aqueles que defendem coisas horrendas e impensáveis sempre partem de um argumento do bem, falando em “família”, em “defesa da vida”, por exemplo. Esses são pressupostos muito válidos, afinal, quem não seria a favor desses valores? É claro que há uma distorção de discurso e finalidade em determinadas situações, mas os argumentos precisam ser do bem, ninguém consegue apoio bradando “vamos matar famílias inteiras nesse país” ou “vamos permitir que crianças tenham bebês aos nove anos de idade”, isso seria inaceitável. É por esse motivo que o Moralismo tem tanto apelo, para quem quer que seja, pois ele permite uma forma muito conveniente de se criar regras, cobrá-las das outras pessoas e manter-se defendido das acusações dos outros. Parece bobo, mas é simples, e tudo que é facilmente compreensível é replicável e absorvido. A chance de sucesso é enorme!

Nesse sentido, as redes sociais potencializam essa dinâmica pois criam uma barreira contra o real da vida e entregam somente um recorte daquilo que admitimos sobre a nossa própria imagem, nunca nada fora do que aceitamos como particular, contribuindo para as outras pessoas concordarem com o nosso ponto de vista. Afinal, se eu posto todo dia que eu faço/ gosto/ concordo com determinadas coisas, deve ser verdade que eu seja assim na vida real, fora da internet. O problema é que a nossa “vida” nas redes não é a realidade do que nós somos, senão uma pequena parte editável do que queremos que os outros vejam e aceitem. Isso é importante porque muitas coisas que defendemos por lá podem ser facilmente desmanchadas em determinados contextos da nossa vida real - mas isso não é exposto. Um exemplo disso pode ser uma mulher que defende a autonomia e autoestima de outras mulheres com seus diversos corpos e aparências e divide esses valores, mas que consome apenas produtos, conteúdos e imagens que veiculam mulheres consideradas “perfeitas” em um padrão de beleza específico. Essa mesma mulher pode cobrar ativamente nas redes sociais que homens aceitem outros corpos femininos que não sejam aquele específico socialmente valorizado, mas ela mesma não consome esse tipo de ideia, na privacidade do seu lar e na sua cabeça, mesmo que ela defenda que nos desprendamos disso. Eis um exemplo de Moralismo: aquilo que eu prego e não faço ou admito exceções à regra apenas pra mim, sem mostrar aos outros, numa tentativa de manter a minha imagem sem rasuras, com um bom contorno.

Essa cristalização de uma impressão sempre boa de nós mesmos, seja ela feita com toques de tristeza ou humor, vai endurecendo cada vez mais a nossa própria percepção de nós mesmos, fazendo com que, se porventura alguém questionar os nossos atos, somos mais reativos e intoleráveis com as opiniões alheias, sem jogo de cintura. O fato de estarmos mais isolados do mundo por conta da facilidade da internet em relação ao trabalho, às compras, ao lazer, à comunicação, ao sexo etc. nos faz repetir cenários em que sempre somos o foco com alto poder de controle, e sem a presença de outra pessoa para questionar as nossas condutas vamos nos iludindo sobre a realidade do nosso jeito e personalidade. Ou seja, ficamos presos em um estado mental muito limitado de nós mesmas/os. Isso é relevante porque o Moralismo surge nesse espaço em que somos bons e corretos, temos a razão, e as outras pessoas, se não fizerem exatamente igual, são erradas. Mas a grande ironia da vida é sermos contraditórios e muitas vezes andarmos em falso, sem ao menos perceber que podemos julgar alguém e fazer o mesmo. Essa posição de superioridade cultiva a distância e o sentimento de cancelamento; só é tão abrupto e cruel porque o espaço entre os agentes é (considerado) enorme. Cegas pelo moralismo, as pessoas fazem esse tipo de coisa com a plena certeza de que estão corretas e de que é preciso punir antes de qualquer ponderação. Parece, na verdade, que a grande sacada é entender que estamos à mercê dessa situação, que isso pode vir a acontecer com qualquer uma/um, então, dar um passo pra trás e deixar de apontar tanto o dedo, às vezes, apruma o nosso bom senso e serve pra gente calibrar esse sensor receptivo particular e nos alinharmos mais com a nossa essência.

Dezembro

Neste mês de dezembro, pela última vez em 2024, pedimos que vocês ditassem o Moralismo em sua face mais pujante, cheio de certezas e julgamentos. O conto “Exame da CNH”, nos incita um misto de sentimentos diante do relato do protagonista, com um final chocante; Em tom confessional, “Moralismo” explora a temática mostrando como nos perdemos nas regras que supomos um dia fazerem sentido pra gente e, por fim, o poema “O pacto”, nos deleita com sua bem trabalhada forma e composição rítmica.

Iara Crioula, artista plástica e grafiteira, assina nossa última capa do ano. Com olhos imensos e um olhar de julgamento, a artista dá vida ao nosso gato moralista. Confira seu trabalho em @iara_criou_la.

Textos nesta edição

Fala memo!

Eai, td certo? A Nossa Língua quer trocar ideia, mas pra esse papo acontecer cê precisa chegar junto também. Se a revista será feita das inúmeras vozes (dissonantes) da nossa querida Letras, sua presença é vital!

Então, pensa com carinho! Manda no nosso forms aquela rima guardada na gaveta, aquele texto top que cê quer ver o pessoal discutindo, uma análise de um filme mucho loco, um poema esquecido nas notas do cel… Bota pra circular as ideias! Não é tão difícil assim, vai.

Vem que a gente tá te esperando, beletrista!

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Equipe editorial

Alyson Freitas - Revisão textual
Cibele M Brotto - Editoração e revisão literária

Colaboração:
Attílio Braghetto
Guilherme Faber
Livia Bernardes