— E aí, tava lá? Tava lá? TAVA?
— A encomenda que o porteiro acabou de interfonar avisando que tinha chegado? Sim, ela tava lá, sim.
— CADÊ?
— Por que eu que tive que buscar isso mesmo?
— Porque, quanto mais possibilidades eu pensasse, mais coisas diferentes poderiam ser.
— A caixa que estava na portaria? Ela ia vir diferente dependendo do que você pensasse?
— É.
— Enquanto eu subia com ela no elevador?
— Isso.
— A coisa de dentro da caixa podia mudar?
— Aham!
— Tá.
— Às vezes parece que você não acredita em mim, Maria Clara.
— E pra você isso é um conceito muito difícil de entender, né? Desconfiar de alguma coisa.
— Você é quem precisa acreditar mais.
— Veio um e-mail de um desconhecido e você comprou a nova caixa misteriosa da China. Sem saber o que tem dentro. E eu preciso ser mais que nem você.
— Se eu soubesse, não seria misteriosa.
— Quanto que você pagou nisso, Yuri?
— Eles fazem de tudo por lá, pode vir literalmente qualquer coisa. Tá explicado no e-mail de confirmação de compra que é assim que eles testam as novas mercadorias.
— Confirmando a compra de quanto?
— Falaram que nessa edição iam mandar coisas que têm a ver com energia.
— Foi isso que fez você estourar o cartão?
— Só não sei se é energia elétrica ou algum outro tipo.
— Yuri, eu tive que pagar sua coxinha ontem.
— Você na real tá me atrapalhando. Se for energia mística, eu devo estar todo desalinhado pra abrir a caixa agora.
— O que você entende de energia mística?
— Podia começar a entender agora, ué.
— Você é quem tá me atrapalhando por não ter pagado o aluguel por causa dos feijões mágicos da China.
— Olha aí! Pode ser alguma coisa que dê muito dinheiro, na história dos feijões era isso, né?
— Claro, depois de matar o cara era isso, sim.
— Verdade, tem essa parte do latrocínio, né? Qual que era a mensagem dessa história?
— Acho que é se você for feito de otário vá até as últimas consequências pra que outro seja otário no seu lugar.
— Não parece uma boa moral.
— Mas é a realidade. Olha a gente aqui, você foi feito de otário e tá me fazendo pagar todas as contas no seu lugar.
— Calma, que vai valer a pena.
— Claro que vai. O povo Chinês. A maior indústria do mundo. O país milenar. O maior polo de tecnologia e desenvolvimento desse e do próximo século. É assim que eles testam os novos produtos, enviando pro Yuri que mora em Mauá. Esse é o segredo deles.
— É tipo um tablet.
— Que faz o que?
— Não sei, veio sem o carregador na caixa.
— Ô Yuri, vai te tomar no meio do teu cu, vai.
*
— E aí chegou? Chegou? CHEGOU?
— O cabo que você teve que encomendar da China pro seu tablet que não faz porra nenhuma?
— ISSO!
— E que tava vindo de lá tem 4 meses?
— É!
— Toma essa merda.
— VALEU!
— E aí, o que que faz?
— Não sei. Tem que ler o manual aqui.
— E deixa eu adivinhar, tá em Chines, né?
— Tá.
— Claro que tá. É claro que tá.
*
— CONSEGUI!
— O quê?
— Traduzir.
— O quê?
— O manual do negócio da caixa misteriosa.
— O manual que segundo os e-mails você mesmo tinha que saber falar chinês pra ler?
— É.
— Que não podia só pedir pra alguém traduzir, você mesmo tinha que aprender se não ele não funcionava.
— 是的
— Oi?
— É, sim. Em chinês simplificado.
— Do mesmo pessoal que fala em português por e-mail com você numa boa, mas no manual não pode.
— Se você lesse os e-mails que eu te encaminho, entenderia o motivo; eles foram bem convincentes.
— Claro que foram. Mas me fala aí então, o que faz o supertablet, o motivo de você estar estudando Chinês faz três anos.
— Ele fala quando que vai faltar energia e quando que ela volta.
— Não fala.
— Fala, sim.
— Nem fodendo.
— É verdade.
— Você já testou?
— Na noite passada. Queria testar antes de te falar.
— E funcionou? Você tá me dizendo que essa merda é realmente útil?
— Eu falo pra você acreditar mais nas coisas, Maria Clara.
— Calma. Você sabia quando que a luz ia voltar e não me avisou?
— Mais ou menos.
— Como assim mais ou menos?
— Você olha aqui, ó, e aí ele te mostra qual a porcentagem de faltar energia e aí, se já tiver sem, tem uma outra tela que te fala a porcentagem de ela voltar.
— E esse número quinze aí na frente?
— Ah, tem isso, ele consegue calcular até quinze segundos no futuro.
— Se vai faltar luz?
— Isso.
— Então ele me fala: “olha, em quinze segundos vai acabar a luz.
— Mais ou menos, essa é a primeira versão. Então a precisão dele é de uns 35%.
— Ele me fala que em quinze segundos pode ser que a energia acabe, mas que não tem total certeza disso?
— É um jeito de ver.
— E depois ele me fala que talvez ela volte, mas que não dá pra saber também.
— É. A precisão de acerto da volta é de 25%, é mais difícil mesmo.
— Claro, mais difícil. São muitas variáveis, né?
— Isso.
— E ele tá falando de probabilidade, talvez nem dê pra prever totalmente, né?
— Aham. E ele tem que estar carregado, se demorar muito, a bateria acaba.
— Quanto tempo dura a bateria?
— Olha, na versão atual que eu consegui pedir por já ter essa, ela vai durar muito mais.
— Você pediu outro?
— E além da coisa da energia tem mais.
— Pagou quanto nessa merda agora?
— Fala quando que uma encomenda que você pediu vai chegar.
— Você não vai pagar o aluguel de novo?
— E aí dessa vez eles nem falaram quando enviam nem quando chega. Pra você já ver como seria útil de ter a parada.
— Mas com toda certeza pagar você já pagou.
— Coisa de saber valorizar o produto mesmo, né? Esse pessoal não brinca.
— Nesse novo, qual a chance de ele acertar tudo?
— Olha, como envolve muitos processos, eles falaram que não é tão alta quanto o da energia. Mas pra ficar tranquilo, que estão trabalhando nisso e o quanto antes vão resolver os possíveis problemas nas possíveis próximas versões.
— Eu te odeio muito, Yuri. Muito. Com cem por cento de acerto.