o poema

POR

Rafael Bonavina

queria escrever um poema
que matasse essa ânsia
poema que explicasse
    tudo            iminente colapso
    tudo            as crises nas palmas das mãos
    tudo            as próximas guerras (e as distantes)
    tudo            a compreensível revolta da massa
    tudo            a televisão com suas risadas gravadas
    tudo            o cheiro estranho na varanda
    tudo            o motor da geladeira
    tudo            eu

poema que oferecesse a mão
e por que não o braço todo de uma vez?
Poema que não fosse mais um papel na gaveta
                          (palavras na nuvem?)
poema que me explicasse por completo
e eu já não precisasse dizer mais nada
viveria em silêncio contemplativo
em paz comigo e com o mundo

        mas não há estética
        nem leitor que aguente
        um poema desses

além do mais, se perguntam
está tudo bem?
digo logo
        “tudo”
que significa
        nada
então pra que esse tal poema que explica tudo?
    pra quê? se o silêncio é maior que o grito
    pra quê? se a sombra é mais clara que a luz
    pra quê? e a explicação só confunde
    pra quê, afinal?
        pra quê?

se sempre falta dizer algo
se o sono nunca vem
e o poema tampouco.