queria escrever um poema
que matasse essa ânsia
poema que explicasse
tudo iminente colapso
tudo as crises nas palmas das mãos
tudo as próximas guerras (e as distantes)
tudo a compreensível revolta da massa
tudo a televisão com suas risadas gravadas
tudo o cheiro estranho na varanda
tudo o motor da geladeira
tudo eu
poema que oferecesse a mão
e por que não o braço todo de uma vez?
Poema que não fosse mais um papel na gaveta
(palavras na nuvem?)
poema que me explicasse por completo
e eu já não precisasse dizer mais nada
viveria em silêncio contemplativo
em paz comigo e com o mundo
mas não há estética
nem leitor que aguente
um poema desses
além do mais, se perguntam
está tudo bem?
digo logo
“tudo”
que significa
nada
então pra que esse tal poema que explica tudo?
pra quê? se o silêncio é maior que o grito
pra quê? se a sombra é mais clara que a luz
pra quê? e a explicação só confunde
pra quê, afinal?
pra quê?
se sempre falta dizer algo
se o sono nunca vem
e o poema tampouco.